sexta-feira, 19 de junho de 2015

Poeira de mim


Em meio à hipocrisia diária, cada grão de mim se esvai
Numa loucura comumente disfarçada de riso
Tentando relevar as agressões dentro d’alma
Que fere feito agulha fina em carne dura.

No todo que o tempo me esculpiu de conceitos
E pré-conceitos
Do todo que sou
restou só poeira
do aquilo que um dia achei que fora integridade
Agora é só resto
Só um pouco
Sem valor, sem utilidade.

Mas, existe um Eu aqui
Mesmo gasta, mesmo escassa
Cada grão me (re)constitui
Numa (nova) abstração de todo o pó que restou.
Nua, como toda escultura
Depredada, como todo símbolo de revolução.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Meu Sapato


Pego-me a passear nas profundezas do meu coração aventurado
tolo, que insiste em voltar para casa amedrontado...
Infeliz, à espera da aprovação
por tudo o que faço
sem pedir e sem dar.

No fim, aceito e sigo
sem muita esperança de conquistar.

É quando pego-me desbravando meus devaneios
tontos, na perfeição de seus círculos imperfeitos...
Vou colorindo meu riso desbotado
de exaustão dos dias em que pelejei
sem perder e sem vencer.

No fim, me calo e continuo
sem desamarrar os sapatos sujos.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Coisas do Cupido

Fim de ano chegando e os preparativos do espetáculo de encerramento das academias de dança já estão rolando. Como gosto que minhas alunas saibam e entendam o papel que vão atuar, comuniquei que esse ano o ballet de repertório seria Dom Quixote e que elas seriam o Cupido.

- Tia Manu, o que é Cupido?
- Cupido é um personagem da Mitologia Grega.
- O que é personagem? (perguntou uma) O que é mitologia? (perguntou outra)
- Vamos dizer que a mitologia é uma história e que personagem é cada pessoa que participa dela, entendem? (todas disseram que sim) Pois bem, esse ano nós seremos os Cupidinhos. Sabem como ele é? (elas responderam que não) Ele é filho de Afrodite, a deusa do amor, um anjinho travesso que adora aprontar com as pessoas. Sabem o que ele faz? Ele tem o poder de fazer as pessoas se apaixonarem e sabem como é que ele faz isso? Ele tem uma flecha de amor e quando ele mira com ser arco e acerta alguém, a pessoa se apaixona pelo primeiro que passar em sua frente!

Busquei o olhar delas. Algumas estavam maravilhadas, outras riam com esperteza, mas uma delas estava de braços cruzados, aborrecida...

- O que foi, Marcela?
- Agora eu entendi tudo!
- Entendeu o quê?
- Ele me acertou duas vezes! E eu nem vi ele atirar a flecha em mim!

É, Marcela, esse Cupido é um danado mesmo!

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Legião da boa vontade

Precisava buscar um certificado de conclusão de curso em Copacabana. Então liguei para obter informações sobre a liberação do documento, até mesmo para não ir atoa e perder a viagem. Na primeira ligação, a atendente me informou que, como eu concluí o curso há muito tempo, o certificado não estava no arquivo daquela sala e que ela procuraria em um outro. Na segunda ligação, outra atendente me informou que o documento havia sido emitido e que eu poderia buscá-lo.
Pois bem. Cheguei ao curso por volta de 12:30h e me encaminhei a secretaria. A sala referente possui uma janela com vidro recortado onde o solicitante possa se comunicar com os atendentes e eu, educada, respeitei esse limite, ao passo em que outros alunos entravam no ambiente sem se anunciar, ou mesmo bater a porta...
Fiquei igual a uma besta esperando alguém me oferecer ajuda. Os alunos que entravam olhavam para a minha cara com a fatídica expressão de “perdeu a vez, otária”, a atendente estava olhando pela janela lateral da sala, sabe-se lá o quê, e não dava a mínima importância para quem entrava e se sentava a sua frente. As pessoas se davam por vencidas e pediam a solução de seus problemas e, numa resposta curta e simples da atendente, se levantavam e saiam.
Curiosa, entrei na sala e perguntei: - Boa tarde. Eu vim buscar um certificado...
Atendente: - Só a partir das 13h!
Olhei para o relógio, marcava 12:52h. Sai da sala e fui aguardar nos bancos do corredor. Ria por dentro com a leve certeza de que a tal atendente era a responsável por entregar certificados.
13:10h entrei novamente na sala. E, sem surpresas...
Atendente: - No que posso te ajudar?
Eu: - Vim buscar meu certificado.
Atendente: - Você ligou antes?
Eu: - Liguei.
Atendente: - Mas, foi comigo que você falou?
Eu: - Como vou saber?
Atendente: - Meu nome é Andréia.
Eu: - Ok, Andréia, eu liguei duas vezes para saber do meu certificado e me disseram que eu poderia vir buscar. Você pode me entregar, por favor?
Atendente: - Mas, fui eu quem disse que estava aqui?
Eu: - Se foi, ou se não foi, não é pertinente!
Atendente: - Vou procurar...
Futuca daqui, futuca de lá...
Atendente: - Seu certificado não está aqui.
Eu: - E como a gente resolve esse problema?
Atendente: - Faz um requerimento pelo site...


Conclusão, não resolvi o que precisava porque a sociedade está adoecida de má vontade!

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Meu irmão e o dente

Passear pelas ruas da cidade e observar as pessoas, assim como participar de gafes e situações inesperadas com desconhecidos ou conhecidos tem lá seu tom peculiar, mas viver isso em família é sempre mais divertido, talvez por causa da intimidade que nos possibilita a cumplicidade.
Pois bem, dia desses estava em meu quarto lendo, quando meu irmão entrou e se esparramou na cama me fazendo companhia, pensativo. Fechei o livro e olhei para ele esperando ele iniciar o assunto.
Ele: - Dú, lembra quando a gente se mudou para cá?
Eu: - Lembro.
Ele: - Nós fomos comemorar meu aniversário no Habib's.
Eu: - Dessa parte eu não lembro.
Ele: - Não lembra, não? Quando eu quebrei meu dente comendo uma esfirra?
Chocada, eu perguntei: - Como você quebrou um dente comendo esfirra?
Ele: - Tinha uma pedra na esfirra de carne.
Eu: - Caraca... Mas, o dente era de leite, né?
Ele: - Não.
Eu arregalei os olhos, espantada e perguntei: - O que aconteceu?
Ele: - O dente caiu.
Eu : - Você colocou implante?
Ele: - Não. 
Confusa, prossegui: - Tu é banguela até hoje?
Ele, começando a se irritar: - Dú, deixa de ser burra! O dente caiu e nasceu outro!
Eu, ofendida: - Jumento, se nasceu outro dente, o que quebrou e caiu era de leite!
Ele: - Claro que não!
Eu, atordoada: - Então você teve que fazer uma prótese, ou implante!
Ele, furioso: Deixa de ser ignorante! Nasceu outro! Olha aqui! (abriu a boca puxando o lado direito da bochecha com o dedo indicador para mostrar um molar).
Eu, rindo da burrice dele, completei: - Então, anta, se nasceu outro, o que quebrou e caiu era dente de leite!
Ele, indignado: - Claro que não! Ainda nem estava mole!
Não sei se ri pela inocência do meu irmão, ou da absurda ideia de ele acreditar, aos 20 anos, que o dente só é de leite quando está mole...